Introdução ao Antigo Testamento
Dr. Nelson Célio de Mesquita Rocha
Rio de Janeiro – RJ
nelsonceliorocha@gmail.com
INTRODUÇÃO
Povos antigos contribuíram para a realidade humana de
diversas maneiras. Deixaram suas heranças, que influenciaram em muito outras
culturas. E, dentre os diversos povos antigos, destacam-se os gregos, romanos e judeus, para o
desenvolvimento histórico da humanidade, e particularmente do cristianismo.
Vejamos a contribuição desses três grandes povos:
A contribuição dos gregos
Os gregos contribuíram para o desenvolvimento histórico da
humanidade, com sua língua e habilidade intelectual. A mentalidade grega erigiu
os grandiosos edifícios da mente, através da filosofia. Os grandes pensadores
nasceram na Grécia: Sócrates, Platão, Aristóteles e outros. Assim como é a
língua inglesa hoje no mundo moderno e o latim no mundo erudito, o grego se
tornou no mundo antigo, a língua universal. Mesmo depois de o Império ser
destruído ao final do quinto século, o dialeto de Atenas, que se originara da
literatura grega clássica, tornou-se a língua que Alexandre, seus soldados e os
comerciantes do mundo helênico, entre 338 e 146 a.C., modificaram, enriqueceram
e espalharam através do mundo mediterrâneo.
A contribuição dos romanos
Os romanos são conhecidos por sua hegemonia política. Como
nenhum outro povo, os romanos desenvolveram um sentido de unidade sob uma lei
universal. Essa unidade se destacava pelo seu fator preponderante que foi o
perfil político-administrativo do Estado. A aplicação da lei romana aos
cuidados de todo o Império era imposta quotidianamente a todos os cidadãos e
súditos, pela justiça imparcial das cortes romanas. Essa lei romana, com sua
ênfase sobre a dignidade do indivíduo, e no direito deste à justiça e à
cidadania política, contribuiu para a formação de uma mentalidade organizada.
Os romanos criaram um ótimo sistema de estradas que iam do marco áureo no fórum
a todas as regiões do Império. As estradas principais eram de concreto e
duraram séculos.
A contribuição dos judeus
Se os gregos contribuíram com a
cultura e a língua e os romanos com a política e a ótima administração, os
judeus contribuíram com o aspecto religioso. Os judeus não intentavam
encontrar a Deus pelos processos da razão humana, mas tiveram forte influência
em suas atitudes pelo fato de que Deus os procurou e se revelou a eles na
história. O judaísmo ofereceu ao mundo a esperança de um Messias que estabeleceria
a justiça na terra. Essa esperança estava em antagonismo com as aspirações
racionalistas dos gregos. Quanto à parte moral, o sistema ético do judaísmo
ofereceu ao mundo o mais puro sistema, de elevado padrão proposto pelos
Mandamentos. Essa perspectiva moral foi a contribuição do Antigo Testamento
para a formação religiosa do povo judeu. A tradição veterotestamentária
influenciou a mentalidade neotestamentária. Enfim, essa literatura de
inspiração divina,
denominada de “Sagrada Escritura”, não apenas é sagrada para o judaísmo, mas
também para o cristianismo e para o islamismo.
Considerando que o Antigo Testamento continua sendo Sagrada
Escritura para a teologia e para a Igreja cristã, é fundamental haver a
necessidade de o entender corretamente, no todo e em suas partes. É fundamental
que haja não um estudo superficial e pueril do Antigo Testamento. Para que não
seja superficial e pueril, é preciso colocar em prática um estudo científico.
Pesquisar cientificamente é a proposta da ciência
introdutória da
Escritura, ao lado de outros processos de investigação e de interpretação.
É preciso que se busquem no testemunho interno do Antigo
Testamento duas formas principais da Palavra de Deus: a “Palavra do Senhor”,
que se identifica com a “Aliança”, e a “Palavra do Senhor” anunciada pelos
profetas.
Constituem estas a experiência do povo e ao mesmo tempo o início de uma
teologia viva da palavra.
Sobre essa ciência propedêutica e seu surgimento, é com
atenção que se deve observar segundo o que segue:
Evidentemente, uma ciência
propedêutica nesses termos não existiu durante séculos. De início, os rabinos
transmitiam suas opiniões sobre os autores, sobre a época e o local de origem
dos livros do AT, opiniões que a Igreja antiga e medieval fez suas e complementou
com outras. Este estudo se efetuava, juntamente com o de outros aspectos
particulares, sob a forma específica de introdução aos livros do AT, como o fez
JERÔNIMO, ou no corpo de outras obras, como AGOSTINHO, em De doctrina christiana, e JUNÍLIO AFRICANO, Instituta regularia divine legis. O termo “introdução” foi usado
pela primeira vez, enquanto se sabe pelo monge ADRIANO (+ cerca de 440) em seu
escrito eisagogê eis tás théias grafás,
“Introdução às divinas Escrituras”. Daí, com base em Isagoge e Introductio, é que surgiu o termo [alemão] Einleitung na obra de J. D. MICHAELIS
(1750).
Sem Escritura Sagrada não existe cristianismo.
No início do cristianismo os primeiros cristãos utilizavam o Antigo Testamento
como palavra de Deus. O seu conteúdo se constituiu normativo e formativo da
existência cristã no seguimento de Jesus. Assim, até o Séc. II d.C. a
literatura veterotestamentária dos cristãos foi a Bíblia judaica. É interessante que essa Bíblia para a cristandade
primitiva, não constituía o “Antigo Testamento”, no sentido de uma revelação
secundária ou até mesmo antiquada. Nem mesmo no Séc. II os evangelhos e as
cartas apostólicas especificamente cristãs, surgidos sucessivamente a partir da
metade do Sec. I alcançaram na Igreja a categoria de “Escritura Sagrada”. Os
novos livros sagrados substituíram a Bíblia de Israel.
Mesmo que houvesse uma luta contra a Bíblia judaica por
parte de alguns opositores, como por exemplo, Marcião, a
Igreja se opôs a essa rejeição, e continuou se fundamentando em sua mensagem.
Possui um significado programático que a Igreja tenha tornado a Bíblia de
Israel a primeira parte de sua Bíblia: a Bíblia de Israel detinha a inconteste
dignidade de ser revelada. Possuía autoridade e qualidade canônica. Por isso os
discípulos de Jesus recorriam a ela para conferir à mensagem de Jesus
comunicabilidade real, força de persuasão e validade.
Assim, não se lê o Antigo Testamento a partir do Novo, porém vale o contrário:
o Novo Testamento é escrito a partir do Antigo.
Antigo ou Primeiro Testamento? A
sugestão de Antigo Testamento foi somente em face do distanciamento intencional
da Igreja diante do judaísmo que criou essa designação. O próprio “Novo
Testamento” desconhece um “Antigo Testamento” (Cf. Hb 8.7, 13; 9.1, 15, 18). A
premissa para a designação no seio da Igreja primitiva era a de que se
compreendessem os dois “Testamentos” como duas grandezas. Uma designação que
resgata o pensamento da cristandade primitiva quanto a esse aspecto é utilizar Primeiro Testamento e Segundo Testamento. Na verdade, essa
designação é mais bíblica do que “Antigo Testamento” (Cf. Lv 26.39-45). Assim,
a primeira parte da Bíblia cristã é o fundamento básico, lançado primeiro e
sobre o qual o novo agir de Deus em e por meio de Jesus e naqueles que o seguem,
testemunhando no “Segundo Testamento”, se apoia, de tal modo que o Segundo
constitui a atualização renovada e definitiva do Primeiro Testamento.
A Bíblia judaica é conhecida também pelo termo Tanak. Esse termo se tornou costumeiro
no judaísmo e cujas consoantes TNK,
reproduzem as letras iniciais das três partes da Bíblia judaica. T=Torá, Lei; N=Nebiim, profetas; K=Ketubim,
Escritos. Mais recentemente emprega-se também a designação Bíblia hebraica como
substituta de “Antigo Testamento”.
Os livros da Bíblia cristã nem sempre são classificados na
mesma ordem. Ainda hoje aparecem dispostos de maneiras distintas, seguindo para
isso os critérios sustentados a esse respeito por diferentes tradições. A
versão de João Ferreira de Almeida, em todas as suas edições, tem-se orientado
mediante a norma de ordenar os livros de acordo com seu caráter e conteúdo, na
seguinte forma:
·
Literatura
histórico-narrativa: Gênesis, Êxodo, Levítico, Números, Deuteronômio, Josué, Juízes,
Rute, 1 e 2 Samuel, 1 e 2 Reis, 1 e 2 Crônicas, Esdras, Neemias, Ester;
·
Literatura poética e
sapiencial (ou de sabedoria): Jó, Salmos, Provérbios, Eclesiastes, Cântico dos Cânticos;
·
Literatura profética:
o Profetas maiores: Isaías, Jeremias, Lamentações, Ezequiel, Daniel;
o Profetas menores: Oséias, Joel, Amós, Obadias, Jonas, Miquéias, Naum, Habacuque,
Sofonias, Ageu, Zacarias e Malaquias.
Na Idade Média, estudiosos judeus se destacaram em relação
ao estudo do AT, como
por exemplo: RASCHI (morto em 1105) e IBN ESRA (morto em 1167). Do lado
cristão, houve a atuação de ISIDORO DE SEVILHA (+ cerca de 636), que resumiu
num compêndio, o Prooemiorum liber,
todo o saber de seu tempo, e de NICOLAU DE LYRA (+ cerca de 1340) que, graças
aos seus conhecimentos de hebraico, pôde transmitir as obras dos sábios judeus
e manter-se em contato com originais.
Sobre os pressupostos para o surgimento da ciência
propedêutica da Escritura, consideram-se o humanismo e a Reforma Protestante
como seus criadores.
Os humanistas remontavam à língua hebraica (REUCHLIN) e ao texto original. Os
reformadores protestantes encontravam apoio nesse dado, exigindo uma
interpretação filológica. Assim, foi surgindo a crítica textual. Os dados decisivos
para a ciência propedêutica da Escritura foram dados na época do Iluminismo (Aufklärung) e do racionalismo.
Seguem alguns expoentes, segundo a relação resumida de
SELLIN, E. e FOHRER, G.:
·
THOMAS HOBBES - Propunha em sua obra Leviathan (III, 1651), que a época do aparecimento dos livros do AT
fosse deduzida a partir destes próprios livros, independentemente da tradição.
·
B. SPINOZA - Em seu Tractatus
Theologico-Politicus (1670), acrescenta à crítica feita até então com base
nas contradições isoladas, e à crítica estilística, o princípio metodológico
segundo o qual o indicador correto para a pesquisa do AT era “a razão natural,
patrimônio comum de todos os homens, e não, consequentemente, uma iluminação
sobrenatural nem uma autoridade externa”. Spinoza tratava de problemas que mais
tarde se tornaram objeto da propedêutica à Escritura: a origem de cada livro, a
história do cânon e dos textos.
·
R. SIMON – Com este foi dado um impulso pela análise linguística
dos textos em relação, por exemplo, ao Pentateuco. Levou a primeira distinção
entre as fontes, por sugestão de H. B. WITTER (1711) e J. ASTRUC (1753).
·
J. S. SEMLER – Com sua obra Abbandlung von freier Untersuchung des Canon (1711-1775) e seu Apparatus ad liberalem Veteris Testamenti
interpretionem (1773), pede para o AT uma pesquisa liberta de dogmas e da
tradição, e que se adotem os mesmos princípios que se aplicam a outras obras
literárias.
·
Depois de J. HERDER e R. LOWTH, com sua nova consideração
estética e artística, J. G. EICHHORN resumiu todas as observações e sugestões
precedentes em sua Einleitung in das AT,
à qual deu a forma de manual e onde trata como SPINOZA, dos três problemas
referentes à origem de cada livro, à história do cânon e à história dos textos.
Foi ele o fundador da ciência propedêutica da Escritura, em seu sentido formal.
A pesquisa histórico-crítica se desenvolve e se situa
primeiramente sob o influxo do método histórico e da história das religiões,
como segue segundo a síntese de SELLIN, E. e FOHRER, G:
Assim, na opinião de W. M. L. DE
WETTE (1806s, 1817), os livros do AT mostram-nos a evolução de suas ideias e ao
mesmo tempo nos oferecem a possibilidade de estabelecer a data de origem desses
livros. A contribuição básica de WETTE consistiu em ter feito a identificação
entre o código de Josias e o Deuteronômio. Ao lado de H. G. EWALD (1835ss,
1840s 1843ss), devemos mencionar ainda W. VATKE (1835), o qual, sob o influxo
de HEGEL, descreve a evolução da literatura do AT, tendo por pano de fundo a
história de sua religião. Em contraposição, emerge a tentativa de uma renovação
da tradição da sinagoga e da Igreja primitiva, por parte de E. W. HENGSTENBERG
(1831ss) e K. F. KEIL (1833). Este último se empenhou em provar, por exemplo, a
autenticidade do Pentateuco e do livro de Daniel, ou a unidade do livro de
Zacarias.
A pesquisa histórico-crítica e seu modo decisivo não
obstante aos avanços fundamentais adquiridos anteriormente por A. KUENEN
(1861ss) e K. GRAF (1866 – que está ligada sobretudo ao nome de J. WELLHAUSEN
(1876ss).
WELLHAUSEN traçou uma grande sinopse dentro da qual as fontes, estudadas do
ponto de vista literário, formavam um
quadro bem definido da história de Israel, no qual, por sua vez, as próprias
fontes encontram seus respectivos
lugares. Este estudioso da Escritura foi atacado e considerado hegeliano, bem
como de ser evolucionista. Na realidade, muitos dos adversários de WELLHAUSEN
aprenderam dele e se utilizaram de suas pesquisas e de seu método.
Novos métodos foram surgindo, mediante a pesquisa, que têm
uma ligação profunda com os nomes de H. GUNKEL e H. GRESSMANN,
como parte, por um lado, dos resultados obtidos pela arqueologia do Antigo
Oriente e pela orientalística, aplicada aos dados da pesquisa histórica e comparativa
das literaturas. A literatura do Antigo Testamento é vista no âmbito de toda a
literatura do Antigo Oriente, ao passo que se investigam as relações entre as
duas. Por isso, há um grande e profundo interesse dos estudiosos pela história
das formas do discurso e para os gêneros literários, como para a história do
material e seus motivos.
Segue em síntese, o fluxo das obras de GUNKEL E GRESSMANN:
·
GUNKEL – A sua obra focalizou-se na filologia clássica e da
germânica, exercendo papel pioneiro com relação à pesquisa dos gêneros
literários. As formas de expressão e os gêneros literários tinham, na antiguidade,
uma fisionomia muito mais precisa do que em nossos dias. Obedeciam a certo
esquema de construção; apresentavam motivos mais ou menos fixos e possuíam
determinado Sitz im Leben [situação
histórica e existencial]. Como lugar de origem. O narrador ou o poeta escolhiam
o gênero conforme a ocasião e o motivo, prendendo-se, porém, ao esquema básico
deste gênero, de sorte que as possibilidades de variações pessoais eram
limitadas, ao passo que os aspectos convencionais e típicos eram determinantes.
·
GUNKEL, e GRESSMANN logo depois dele, puseram em movimento e
incentivaram principalmente a pesquisa da história dos materiais e seus
motivos. A pesquisa se expandiu e se transformou em estudo da história das
tradições que
procura reconstituir, ao longo do AT, não apenas os motivos em particular, mas
as correntes da tradição resultantes da concentração de inúmeros motivos.
Evidentemente, essa pesquisa foi levada a efeito sob o impacto dos resultados
da arqueologia e da orientalística. Esta pesquisa se ocupa com o passado dos livros
do AT e estuda o desenvolvimento progressivo da tradição, desde as camadas
pré-literárias, até seu lançamento por escrito. O estudo da história da
tradição não considera as unidades do texto apenas do ponto de vista de como
sua forma definitiva se concretizou, mas procura seguir todo o processo através
do qual as unidades surgiram.
A função de uma introdução ao AT tem a finalidade de se
empenhar por organizar o processo de exposição dos livros da Sagrada Escritura.
Esse processo tem de ser objetivo, e garantindo que, ao se estudar a Bíblia
mediante o crivo de elementos científicos, redundará numa convicção mais
sólida, em relação à fé, evitando-se uma análise superficial.
I - AS PARTES DO ANTIGO TESTAMENTO
1.1.O designativo
“Bíblia”
Ao
empregar o termo “Bíblia”, a tradição sustenta por um lado que é “um livro”,
por outro “uma biblioteca”. O
termo latino da Idade Média, biblia,
em que o nome se fundamenta, foi entendido erroneamente, desde o séc. (IX?) XII
como um substantivo feminino singular, de modo que surgiu a expressão “a
Bíblia”. Originalmente a palavra grega ta
biblia era uma forma plural, com a qual Flávio Josefo já designava a Bíblia
judaica. João Crisóstomo ampliou a designação para o conjunto do Antigo e Novo
Testamento. Quando o Novo Testamento se refere às “Escrituras”, às vezes
designa mediante esse termo a parte correspondente ao Primeiro testamento (os
Salmos e os livros de Sabedoria); muitas vezes, porém, designa o Primeiro
Testamento como um todo, considerando precisamente sua multiformidade.
Uma
observação também importante, que se deve ressaltar quanto aos livros bíblicos,
são as diferenças existentes entre o aspecto literário e a concepção teológica,
inseridos pela tradição que os colecionou, em determinados esquemas de
ordenamento. Assim, não se pode considerar, ainda que sejam vistos como
grandeza única, uma unidade com um centro e uma sistemática. Uma “unidade”
existe, na função de um documento canônico para o judaísmo e para a Igreja.
Há
uma polifonia no Primeiro Testamento, assim como no Segundo Testamento. Há
muitas camadas e vozes variadas sob diversas histórias, que não são
simplesmente uma inevitável decorrência do fato dessa obra ter uma história de
surgimento tão complexa e longa. Nada surgiu de modo espontâneo na literatura
do Primeiro Testamento. Em grande parte, a forma complexa e contrastante do
Tanak/Primeiro Testamento foi intencional. Não significa uma deficiência ou
imperfeição dessa obra o fato e a maneira com que os tons, motivos e melodias,
até as diferentes frases dessa sinfonia polifônica, se contrastam, interpelam,
complementam e se confirmam, bem como se repetem e elaboram variações. As
formas variadas que as pessoas precisam tomar conhecimento dentro do Primeiro
Testamento são importantes como testemunho de Deus na história da humanidade.
E.
Zenger propõe que, ao invés de se falar em “unidade”, referindo-se ao Primeiro
Testamento, é de bom alvitre falar de “nexo”.
Isso quer dizer que, pelo fato de todas as matérias nele transmitidas, estejam
relacionadas ao único Deus de Israel, Criador do mundo e Pai de Jesus Cristo.
Essa relação em torno da verdade que judeus e cristãos apelam entre si, gira em
torno de Deus, que só tem sentido quando há um envolvimento no diálogo
apaixonado que as muitas vozes da Bíblia conduzem entre si.
Sobre o que a crítica histórica considerou e continua
fazendo como ponto de partida de suas hipóteses acerca da complexa história do
surgimento da Bíblia e de partes isoladas dela, em especial as “duplicatas”, as
contradições, as diferenças semânticas e estilísticas, tudo isso não pode ser entendido
como se “os revisores” e “redatores” não tivessem percebido as tensões. Segundo
E. Zenger deu-se o contrário:
Constitui
o específico da Bíblia que essa complexidade tenha sido propositadamente criada
e mantida por interesse teológico (!). Se queremos absolutamente falar de uma
“unidade” do Primeiro Testamento, ela será no máximo uma unidade complexa,
cheia de tensões, assistemática e rica em contrastes. Em vez de “unidade”
deveríamos falar, mais coerentemente, de um “nexo”, cuja multiformidade visa
provocar para o debate e a controvérsia sobre a verdade e em torno dela.
Essa
posição de E. Zenger vale de modo análogo para o Novo Testamento e para a
Bíblia como um todo. Esse nexo é constituído pelo fato de estar relacionado a
todas as matérias transmitidas, apontarem para o único Deus de Israel, Criador
de todas as coisas.
Há
um diálogo fecundante e tenso entre as duas partes da Bíblia, percebida como
una?
Na medida em que a Igreja manteve ao lado do NT o
Primeiro Testamento em sua forma textual segundo a estrutura judaica, não o
retrabalhando sob uma perspectiva cristã, sugere-se que o Primeiro Testamento
pode ser lido e entendido como um texto compreensível em si. Isso conduz a uma
postura que compreende um isolamento entre os Testamentos. Sendo o Primeiro
Testamento anterior ao Segundo Testamento e independente dele, torna-se
desafiante rival do segundo. Sobre esse aspecto, E. Zenger sugere haver algo de
positivo, como segue:
Quando
admitimos ambos os Testamentos como rivais na disputa em tono da verdade de
Deus, poderá emergir dessa correlação e desse confronto uma leitura nova,
produtiva da Bíblia subdividida em duas partes. Tal leitura jamais seria
possibilitada por um dos Testamentos sozinho.
Naturalmente
o Primeiro Testamento só pode desempenhar seu papel de desafiante, rival e
comentador do Novo Testamento quando se permite que ele tenha palavra e valor
próprios – e acima de tudo não se passa por cima, com óculos cristãos, da sua
multiformidade e alteridade. Tão importante quanto enfatizar, diante de formas
antigas e novas de marcionismo, a continuidade de tradição e confissão do Antigo
para o Novo Testamento, tão necessário é também deixar as diferenças, a fim de
que possam surgir entre ambas as partes de nossa Bíblia uma disputa produtiva
sobre o testemunho, expresso em ambas, em favor do Deus uno e único.
Assim,
pode-se tentar entender, que há um nexo e não uma unidade entre os Testamentos,
por causa de suas diferenças e contradições, contidas nos próprios escritos.
Metodologicamente,
torna-se fundamental entender que nenhum dos Testamentos tem a primazia sobre o
outro.
Ambos possuem um valor igual, na condição de parceria na disputa e no debate
que envolve a hermenêutica, no sentido de serem testemunhos distintos e
concorrentes do Deus uno e único. Para os cristãos o NT não é apenas um
acréscimo ou apêndice do Primeiro Testamento, e o Primeiro Testamento não é
mero prefácio ou uma história introdutória ao NT. Antes, pelo contrário, formam
uma grandeza polifônica, mas que não obstante soa conjuntamente, e somente
assim, é “palavra de Deus”, que noticia o acontecimento dramático da redenção
do mundo, cujo “último” ato vincula-se ao Messias Jesus Cristo.
Qual
é o interesse de judeus e cristãos ao lerem as Escrituras Sagradas? Com certeza
não há interesse histórico, mas canônico. Lêem para ouvir a partir delas e na
sua presença a interpretação vocacionadora e redentora de Deus. Isso se
constitui um chamado a servir ao reino de Deus de maneiras distintas. Essas
maneiras são decisivas no sentido de não haver antagonismo, mas parceria que
seja respeitada.
1.2. O
surgimento do cânon cristão extenso
O cristianismo incipiente não possui cânon veterotestamentário diverso
do cânon do judaísmo, do qual surgiu. O fato da Igreja antiga ter sido fiel ao cânon
hebraico dos judeus, mesmo lendo seus livros na tradução grega ou latina,
demonstra que “não se pode de maneira alguma afirmar que o cristianismo e o
judaísmo não tinham mais nada a dizer um ao outro, após a ruptura por causa dos
acontecimentos do ano 70 d.C., e que seguiram cada um seu próprio caminho”.
II - ASPECTOS GERAIS DO
ANTIGO TESTAMENTO
Por
aspectos gerais do Primeiro Testamento entende-se aquilo que concerne às partes
constitutivas de uma obra extensa e profundamente rica. O surgimento do cânone
como marco histórico das “Escrituras” que têm um cunho educativo. As épocas da
história de Israel, ainda que em síntese, terão lugar nesse desenvolvimento,
juntamente com os elementos da história da sociedade.
2.1. As partes do Antigo Testamento
No Segundo
Testamento o Primeiro Testamento é citado como autoridade (Lc 10.25 ss), como
“Escritura inspirada pelo Espírito de Deus” (2 Tm 3.16).
Esta designação reflete o alto conceito de que goza e que, em certo sentido, é
singular; não deve ser mal-entendida, contudo, no sentido de que o Primeiro
Testamento seja por sua natureza palavra codificada na escrita, o Segundo Testamento,
ao contrário, palavra viva, comunicada oralmente. Pois uma parte do PT,
sobretudo na mensagem profética, originou-se da pregação oral e mais tarde foi
lida e comentada no culto (Ne 8.8; Lc 4.17).
O Primeiro Testamento
no seu todo é perifraseado no Segundo Testamento
também como “lei” (Jo 12.34; 1 Co 14.21 e outras), mais especificamente como
“lei e os profetas” ou “Moisés e os profetas” (Mt 7.12; Lc 16.16,29; Rm 3.21 e
outras) e, por fim, uma vez como “Moisés, os profetas e os salmos” (Lc 24.44).
Essa designação, porém, implica um possível mal-entendido: o PT seria por sua
natureza legalista. A “lei”, contudo, não tem apenas caráter de mandamento (cf.
Mt 22.40), mas também de profecia (Jo 15.25; Mt 11.13 e outras). Uma interpretação
legalista de forma alguma corresponde à autocompreensão do Primeiro Testamento.
Quando se
verifica a expressão “Moisés, os profetas e os salmos”, reflete-se a
estruturação do Primeiro Testamento. Uma divisão semelhante do PT em três
partes encontramos já por volta de 130 a.C. no prefácio da tradução grega dos
ditos (apócrifos) de Jesus Siraque. Ainda hoje se usa no judaísmo – ao lado de
nomes como miqra’, “a leitura, o
livro a ser lido” – a sigla TNK (pronunciada tenak) para designar a Bíblia. Ela compõe-se das
consoantes iniciais dos nomes das três partes do PT.
·
T - Tora,
ou seja, a “instrução”, os cinco livros de Moisés: Gn, Êx, Lv, Nm, Dt;
·
N - Nebiim, ou
seja, os “profetas” (inclusive os livros históricos Js – Rs);
· K - Ketubim,
ou seja, as (sagradas) “Escrituras” restantes, como os Salmos e o livro de Jó.
Em
contraposição, a tradução grega do PT, a Septuaginta (LXX), é antes
quadripartida e, além disso, mais volumosa, visto que contêm em maior ou menos
medida também os assim chamados escritos apócrifos (como Macabeus, Baruque ou
Jesus Siraque). Compreende os seguintes livros:
·
Lei - (Gn-Dt);
·
Históricos - (Js, Jz, Rt, Sm, Rs, Cr, Ed, Ne, Mac e outros);
·
Poéticos - (Sl, Pv, Ec, Ct, Jó e outros);
·
Proféticos - (o Livro dos Doze Profetas Menores,
Is, Jr, Lm, Ez e outros).
A estrutura da
tradição cristã é descrita conforme segue abaixo:
·
Literatura
histórico-narrativa: Gênesis, Êxodo, Levítico, Números, Deuteronômio, Josué, Juízes,
Rute, 1 e 2 Samuel, 1 e 2 Reis, 1 e 2 Crônicas, Esdras, Neemias, Ester;
·
Literatura poética e
sapiencial
(ou de sabedoria): Jó, Salmos, Provérbios, Eclesiastes, Cântico dos Cânticos;
·
Literatura profética:
o Profetas maiores: Isaías,
Jeremias, Lamentações, Ezequiel, Daniel;
o Profetas menores: Oséias,
Joel, Amós, Obadias, Jonas, Miquéias, Naum, Habacuque,
Sofonias, Ageu, Zacarias, Malaquias.
2.2. Nome e estrutura
·
O AT se tornou “antigo” devido ao NT.
·
O profeta Jeremias anuncia a promessa de uma Nova
Aliança (Jr 31.31ss), que substituirá
a Antiga Aliança rompida.
·
O NT relaciona a promessa profética com o futuro que
irrompeu em Jesus (Cf. 2 Co 3; Hb
8).
·
No NT o AT é citado como autoridade (Lc 10.25ss); como
“Escritura inspirada pelo Espírito
de Deus” (2 Tm 3.15).
·
O AT é considerado “A Escritura” ou “As Escrituras”
pura e simplesmente (Lc 4.21; 24.27
ss e outras).
·
Uma parte considerável do AT, sobretudo na mensagem
profética, originou-se da pregação
oral e mais tarde foi lida e comentada no culto (Ne 8.8.; Lc 4.17).
·
O AT no seu todo é perifraseado no NT também como
“Lei” (Jo 12.34; 1 Co 14.21 e outras). Mais especificamente como “Lei e os
Profetas” ou “Moisés e os Profetas” (MT 7.12; Lc 16.16, 29; Rm 3.21 e outras).
o AT è Fórmula bipartida: Lei e os
Profetas e Moisés e os Profetas.
o AT è Fórmula tripartida: Moisés,
os Profetas e os Salmos
·
Uma divisão em três partes se encontra por volta do
ano 130 a.C.
no prefácio da tradução grega dos ditos (apócrifos) de Jesus Siraque.
·
A sigla TNK (TANAK) – para designar a Bíblia Hebraica.
·
A
palavra Tanach (ou Tanakh) (em letras hebraicas: תנך)
é uma palavra da língua hebraica,
que foi formada com as iniciais das palavras Torá, Neviim e Chetuvim (em letras hebraicas: תורה,
נביאים וכתובים), que significam “Lei, Profetas e
Escritos”, que são as três partes da
Bíblia
hebraica.
·
Torá
(ou Torah), que significa Lei, é o nome da primeira parte da Bíblia,
que é constituída pelos cinco primeiros
livros da Bíblia,
que são Gênesis, Êxodo, Levítico, Números
e Deuteronômio. Estes cinco primeiros livros da Bíblia,
na verdade são um só livro, chamado
“O Livro da Lei” (em hebraico, Sêfer Torá), ou simplesmente “A Lei” (Torá), ou “A Lei de Deus”, ou “A
Lei de Javé”,
ou “A Lei de Moisés”, ou Pentateuco
(em hebraico, Chumash”).
·
Neviim,
que significa Profetas, é o nome da segunda parte da Bíblia,
que é constituída pelos livros de
Josué, Juízes, 1 Samuel, 2 Samuel, 1 Reis, 2 Reis, Isaías, Jeremias, Ezequiel, Oséias, Joel, Amós,
Obadias, Jonas, Miquéias, Naum, Habacuque, Sofonias, Ageu, Zacarias e Malaquias.
·
Chetuvim,
que significa Escritos, é o nome da terceira parte da Bíblia,
que é constituída pelos livros de Salmos,
Jó, Provérbios, Rute, Cântico dos Cânticos, Eclesiastes,
Lamentações, Ester, Daniel, Esdras, Neemias, 1 Crônicas e 2 Crônicas.
·
Ao
todo, o Tanach tem 39 livros.
·
O
Tanach é chamado pelos católicos e protestantes, ou evangélicos, de Antigo Testamento, sendo que o Antigo
Testamento dos católicos contém também, além dos livros do Tanach, mais sete livros, que são livros apócrifos,
que eles chamam de “deuterocanônicos”,
e contém também adições ao livro de Ester e adições ao livro de Daniel.
·
O
Tanach é a parte incontroversa da Bíblia,
pois a Bíblia
é um conjunto de livros inspirados
por Deus.
·
A
lista de livros considerados inspirados por Deus se chama
“cânon”.
·
A
palavra “cânon” é derivada da palavra grega “kanon”, que significa “regra”.
·
A
Septuaginta (LXX) é quadripartida – mais volumosa, porque contém os chamados Livros Apócrifos (como Macabeus,
Baruque ou Jesus Siraque).
·
A
Septuaginta foi a primeira tradução do Antigo Testamento hebraico, feita em
grego popular antes da Era
Cristã.
2.3. Importância Histórica da
Septuaginta
A
importância da versão da Septuaginta é representada pelas seguintes
considerações:
·
A
Septuaginta é a mais antiga tradução do Antigo Testamento e, consequentemente,
de valor incalculável para os
críticos compreenderem e corrigirem o texto hebraico (Massorético), que é posterior - aquele que chegou até nós -
pois foi estabelecido pelos massoretas
no Séc. VI d.C. Muitas corrupções textuais, adições, omissões ou transposições foram incorporadas ao
texto hebraico entre os Séculos III-II a.C. e VII d.C.; assim, os manuscritos da Septuaginta colocados à
disposição dos críticos podem ser bem
melhor compreendidos em alguns pontos que os manuscritos massoréticos.
·
A
versão da Septuaginta - primeiramente aceita pelos judeus de Alexandria e, mais
tarde, por todas as nações de língua
grega - auxiliou na expansão, entre os gentios, da ideia e expectativa do Messias, e introduziu a terminologia
teológica no grego, tornando-a o
melhor instrumento para a propagação do Evangelho de Cristo.
·
Os
judeus a usaram muito antes da Era Cristã e, no tempo de Cristo, a LXX foi
reconhecida como texto legítimo, tendo sido inclusive empregada na Palestina
pelos rabinos. Os apóstolos e evangelistas a usaram também e fizeram citações
do Antigo Testamento a partir dela,
especialmente no que diz respeito às profecias. Os pais da igreja e outros escritores eclesiásticos da Igreja
primitiva citavam-na diretamente - no caso dos pais gregos - ou indiretamente -
no caso dos pais e escritores latinos e outros que empregavam as versões
latinas, siríacas, etíopes, árabes e góticas. Seguramente, era tida em grande
estima por todos, chegando alguns a acreditar que era inspirada. Consequentemente,
o conhecimento da Septuaginta auxilia na perfeita compreensão dessas
literaturas [da Igreja primitiva].
·
Atualmente,
a Septuaginta é o texto oficial da Igreja grega e as antigas versões latinas usadas pela Igreja ocidental também
foram feitas a partir dela; a mais antiga tradução adotada pela Igreja latina - a Vetus Ítala - foi preparada
diretamente sobre a Septuaginta: as ideias
adotadas nela, os nomes e palavras gregas empregadas (tais como: Gênesis, Êxodo, Levítico, Números
[Arithmoi], Deuteronômio) e, finalmente, a pronúncia
dada ao texto hebraico, passaram frequentemente para a Ítala e, a partir desta, às vezes, para a Vulgata, que não
raramente, apresenta sinais da influência da Vetus
Ítala (principalmente nos Salmos: a tradução da Vulgata é meramente o texto da Vetus Ítala corrigido por São Jerônimo
conforme o texto da Septuaginta encontrado na Hexápla
[de Orígenes]).
2.4. Origem da Septuaginta Segundo a
Tradição
A
versão da Septuaginta é primeiramente mencionada na Carta de Aristéias ao seu
irmão Filócrates. Aqui está, substancialmente, o que lemos sobre a origem de
tal versão:
·
Ptolomeu
II Filadélfo, rei do Egito (287-247
a.C.) tinha estabelecido recentemente uma valiosa
biblioteca em Alexandria. Ele foi persuadido por Demétrio de Fálaro - responsável
pela biblioteca - a enriquecê-la com uma cópia dos livros sagrados dos judeus.
Para conquistar as boas graças deste povo, Ptolomeu, por conselho de Aristéias
- oficial da guarda real, egípcio de nascimento e pagão por religião -
emancipou 100 mil escravos de diversas regiões de seu reino. Ele, então, enviou
representantes - entre os quais Aristéias - a Jerusalém e pediu a Eliazar - o
sumo-sacerdote dos judeus - para que fornecesse uma cópia da Lei e judeus
capazes de traduzi-la para o grego. A embaixada obteve sucesso: uma cópia da
Lei ricamente ornamentada foi enviada para o Egito, acompanhada por 72
israelitas - seis de cada tribo - para atender o desejo do rei. Estes foram
recebidos com grande honra e durante sete dias surpreenderam a todos pela
sabedoria que possuíam, demonstrada em respostas que deram a 72 questões;
então, eles foram levados para a isolada ilha de Faros e ali iniciaram os seus
trabalhos, traduzindo a Lei, ajudando uns aos outros e comparando as traduções
conforme iam terminando. Ao final de 72 dias, a tarefa estava concluída. A
tradução foi lida na presença de sacerdotes judeus, príncipes e povo reunidos
em Alexandria; a tradução foi reconhecida por todos e declarada em perfeita
conformidade com o original hebraico. O rei ficou profundamente satisfeito com
a obra e a depositou na sua biblioteca.
Ainda
que possua características lendárias, a narrativa de Aristéias ganhou crédito.
Aristóbulo (170-50 a.C.),
em uma passagem preservada por Eusébio, afirma que “através dos esforços de
Demétrios de Fálero, uma tradução completa da legislação judaica foi realizada
nos dias de Ptolomeu”; o relato de Aristéias é repetido quase que literalmente
por Flávio Josefo (Ant.Jud. XII,2) e substancialmente - com a omissão do nome
de Aristéias - por Filo de Alexandria (De Vita Moysis II,6).
A
carta e o relato foram aceitos como genuínos por muitos pais e escritores eclesiásticos
até o início do Séc. XVI; outros detalhes que serviram para enfatizar a
extraordinária origem da versão foram acrescentados ao relato de Aristéias: os
72 intérpretes foram inspirados por Deus (Tertuliano, Santo Agostinho, o autor
de “Exortação aos Gregos” [Justino?], entre outros); durante a tradução eles
não consultaram uns aos outros, pois foram mantidos em celas separadas - quer
individuais, quer em duplas - e suas traduções, quando comparadas, estavam em
perfeita concordância com o sentido e expressões empregadas no texto original
e, inclusive, de umas com as outras (“Exortação aos Gregos”, Santo Irineu, São
Clemente de Alexandria - São Jerônimo rejeitou o relato das celas isoladas
afirmando que era fantasioso e falso (Praef. in Pentateuchum; Adv. Rufinum II,
25), bem como a alegada inspiração da Septuaginta); e, finalmente, de que os 72
intérpretes traduziram não apenas os cinco livros do Pentateuco mas todo o
Antigo Testamento hebraico.
A
autenticidade da Carta, posta em dúvida primeiramente por Louis Vivès
(1492-1540), professor em Louvain (Ad S. August. Civ. Dei XVIII, 42), e,
depois, por Jos Scaliger (+1609) e, especialmente, por H. Hody (+1705) e Dupin
(d. 1719), é atualmente negada por todos.
Críticas
A
Carta de Aristéias é certamente apócrifa. O escritor, que chama a si mesmo de
Aristéias e declara-se grego e pagão, mostra, no decorrer de toda a sua obra,
que, na verdade, é um judeu piedoso e zeloso: ele reconhece o Deus dos judeus
como o único Deus; ele declara que Deus é o autor da Lei Mosaica; ele é um
admirador entusiástico do Templo de Jerusalém, da terra e do povo judeu e de
suas leis sagradas e homens cultos.
A
narrativa da Carta deve ser considerada como fantasiosa e lendária, no mínimo
em várias partes. Alguns detalhes, como a intervenção oficial do rei ao
sumo-sacerdote, o número de 72 tradutores, as 72 questões que tiveram que
responder e os 72 dias que levaram para traduzir a Lei são, claramente,
afirmativas arbitrárias; além disso, é difícil de se admitir que os judeus alexandrinos
tenham adotado para o seu culto público uma tradução da Lei feita a pedido de
um rei pagão; finalmente, a linguagem da versão da Septuaginta denuncia, em
vários pontos, um conhecimento imperfeito do hebraico e da topografia da
Palestina, correspondendo muito mais ao idioma vulgar da Alexandria.
Já
que não é certo que todo o conteúdo da Carta seja lendário, os estudiosos
questionam se não existe algum fundamento histórico disfarçado sob os detalhes
lendários. Realmente isso pode ser possível - como se depreende da natureza
peculiar da linguagem bem como sobre o que sabemos a respeito da origem e
história da versão - já que o Pentateuco foi mesmo traduzido em Alexandria.
Também parece verdadeiro que a versão date do tempo de Ptolomeu Filadélfo, isto
é, de meados do Séc. III a.C.. Mas se, como comumente se acredita, a Carta de
Aristéias foi escrita por volta de 200 a.C., 50 anos após a morte de Filadélfo,
com vistas a aumentar a autoridade da versão grega da Lei, poderia ter sido
aceita tão facilmente e rapidamente difundida caso fosse fictícia ou se o tempo
de sua composição não correspondesse à realidade? E mais: é possível que
Ptolomeu tenha realmente alguma espécie de relacionamento com a preparação ou
publicação da tradução, embora como e porque não possa ser determinado agora.
Teria sido com o objetivo de enriquecer sua biblioteca, como declara o
pseudo-Aristéias? Isto é possível, mas não pode ser provado, como será
demonstrado abaixo; mas podemos muito bem descrever a origem da versão
independentemente do rei.
Os
pequenos detalhes acrescidos durante o passar dos anos ao relato de Aristéias
não podem ser aceitos; tais acréscimos são: a estória das celas (explicitamente
rejeitada por São Jerônimo); a inspiração dos tradutores (uma opinião certamente
baseada na lenda das celas); o número de tradutores (72 - v. abaixo); a
afirmativa de que todos os livros hebraicos foram traduzidos ao mesmo tempo
(Aristéias fala da tradução da Lei (nomos), da legislação (nomothesia), dos
livros do legislador - estas expressões, especialmente as duas últimas,
certamente se referem ao Pentateuco e excluem os outros livros do Antigo
Testamento, e São Jerônimo (Comment. in Mich.) declara: “Josefo escreveu, e os
hebreus nos informaram, que apenas os cinco livros de Moisés foram traduzidos
por eles (os 72) e dados ao rei Ptolomeu”. Por outro lado, as versões dos
diversos livros do Antigo Testamento diferem muito no vocabulário, estilo,
forma e características, às vezes seguem uma tradução livre, outras vezes,
extremamente literal, o que demonstra que elas não seriam obra dos mesmos
tradutores. Apesar disso e de todas as divergências, o nome de “versão da
Septuaginta” é universalmente dado à coleção completa dos livros do Antigo
Testamento existentes na Bíblia grega adotada pela Igreja oriental.
Origem segundo o ponto de vista
comumente aceito
Como
para o Pentateuco o seguinte ponto de vista parece plausível, podemos também
aceitar em linhas gerais: os judeus, nos dois últimos séculos antes de Cristo,
eram tão numerosos no Egito, especialmente em Alexandria, que, em certo
momento, passaram a constituir 2/5 da população total. Pouco a pouco a maioria
deles deixou de usar ou esqueceu a língua hebraica em grande parte, caindo no
perigo de esquecer a Lei. Consequentemente tornou-se costumeiro interpretar na
língua grega a Lei que era lida nas sinagogas e, naturalmente, após certo
tempo, alguns homens zelosos pela Lei resolveram compilar uma tradução grega do
Pentateuco. Isto ocorreu por volta de meados do Séc. III a.C.
Para
os demais livros hebraicos - os proféticos e históricos - foi natural que os
judeus alexandrinos, fazendo uso do Pentateuco traduzido em suas reuniões
litúrgicas, desejassem também a tradução destes; então, gradualmente, todos os
livros foram sendo traduzidos para o grego, que se tornara a língua maternal
destes judeus; tal exigência aumentava conforme o seu conhecimento de hebraico
ia reduzindo dia a dia. Não é possível determinar com precisão o tempo ou os
eventos que levaram a estas diferentes traduções; mas é certo que a Lei, os
Profetas e, ao menos, parte dos outros livros (i.é, os Hagiógrafos) existiam
antes do ano 130 a.C.,
como aparece no prólogo do Eclesiástico, que não data abaixo deste ano. É
difícil determinar também onde as diversas traduções foram feitas, pois as
informações são muito escassas. A julgar pelas palavras e expressões egípcias
que ocorrem na versão, a maioria dos livros deve ter sido traduzida no Egito,
muito provavelmente em Alexandria. O livro de Ester, entretanto, foi traduzido
em Jerusalém (XI, 1).
Quem
e quantos eram os tradutores? Existe algum fundamento para o número de 72, como
declara a lenda? Parece impossível responder essas questões; os talmudistas
dizem que o Pentateuco foi traduzido por cinco intérpretes (Sopherim, c.1.). A
história não nos oferece outros detalhes, mas um exame do texto mostra que, em
geral, os autores não eram judeus palestinenses enviados ao Egito; diferenças
de terminologia, método etc. provam claramente que os tradutores não eram os
mesmos para os diferentes livros. É impossível também dizer se a obra foi
executada oficial ou privativamente, como parece ser o caso de Eclesiástico;
contudo, os diferentes livros, depois de traduzidos e dispostos em conjunto (o
autor de Eclesiástico conhecia a coleção), foram recebidos como oficiais pelos
judeus de língua grega.
História Subsequente - Recensões
A
versão grega, conhecida como Septuaginta, foi bem acolhida pelos judeus
alexandrinos, que logo a difundiu pelas nações onde o grego era falado; foi
usada por diferentes escritores e suplantou o texto original nas cerimônias
litúrgicas. Filon de Alexandria a utilizou em seus escritos e considerava os
tradutores profetas inspirados; finalmente, ela foi acolhida pelos judeus da
Palestina e foi notavelmente empregada por Josefo, historiador judeu
palestinense. Sabemos também que os escritores do Novo Testamento fizeram uso
dela, utilizando-a na maioria de suas citações. Ela tornou-se o Antigo
Testamento da Igreja e foi altamente estimada pelos cristãos primitivos, de modo
que muitos escritores e pais da Igreja declararam-na inspirada. Os cristãos
recorriam a ela constantemente em suas controvérsias com os judeus; estes logo
reconheceram suas imperfeições e, finalmente, a rejeitaram em favor do texto
hebraico ou de traduções mais literais (Áquila e Teodocião).
Correções críticas de Orígenes, Luciano e Hesíquio
Em
razão de sua difusão entre os judeus helenizantes e cristão primitivos, as
cópias da Septuaginta passaram a se multiplicar e, como seria de se esperar,
muitas alterações - algumas propositais, outras involuntárias - foram surgindo.
Logo se sentiu a necessidade de restaurar o texto à sua pureza original.
Eis
um brevíssimo relato das tentativas de correção:
·
Orígenes
reproduziu o texto da Septuaginta na quinta coluna de sua Hexápla. Marcou com obeli os textos que ocorriam na
Septuaginta e que não se encontravam no original; adicionou de acordo com a
versão de Teodocião e distinguiu com asteriscos e metobeli os textos do original que não se encontravam na Septuaginta;
adotou das variantes da versão grega os textos que eram mais próximos ao
hebraico; e, finalmente, transpôs o texto onde a ordem da Septuaginta não
correspondia à ordem do texto hebraico. Sua recensão, copiada por Pânfilo e
Eusébio, foi chamada de Hexápla para distingui-la da versão previamente
empregada, chamada comum, vulgar, koiné ou
antehexápla. Foi adotada na
Palestina.
·
São
Luciano, sacerdote de Antioquia e mártir, no início do Séc. IV publicou uma
edição corrigida de acordo com o hebraico; tal edição reteve o nome de koiné, edição vulgar, e, às vezes, é
chamada de Loukianos após o nome de
seu autor. No tempo de São Jerônimo, estava sendo usada em Constantinopla e
Antioquia.
·
Finalmente,
Hesíquio, um bispo egípcio, publicou, quase que ao mesmo tempo, uma nova
recensão, difundida principalmente no Egito.
Manuscritos
Os
três manuscritos mais conhecidos da Septuaginta são:
1. O Vaticano (Codex Vaticanus), do Séc.
IV;
2. O Alexandrino (Codex Alexandrinus),
do Séc. V, atualmente no Museu Britânico de Londres;
3. E o do Monte Sinai (Codex
Sinaiticus), do Séc. IV, descoberto por Tischendorf no convento de Santa
Catarina, no Monte Sinai, em 1844 e 1849, sendo que parte se encontra em
Leipzig e parte em São Petersburgo.
Todos
foram escritos em unciais. O Codex Vaticanus é o mais puro dos três; é
geralmente tido como o texto mais antigo, embora o Codex Alexandrinus carregue
consigo o texto da Hexápla e tenha sido alterado segundo o texto massorético. O
Codex Vaticanus é referido pela letra B; o Codex Alexandrinus, pela letra A; e
o Codex Sinaiticus, pela primeira letra do alfabeto hebraico (aleph) ou S. A
Biblioteca Nacional de Paris possui também um importante palimpsesto manuscrito
da Septuaginta, o Codex Ephraemirescriptus (designado pela letra C) e dois manuscritos
de menor valor (64 e 114), em cursivas, um pertencente ao séc. X ou XI e o
outro, ao séc. XIII (Bacuez e Vigouroux, 12ª ed., nº 109).
Edições Impressas
·
Todas
as edições impressas da Septuaginta são derivadas das três recensões acima citadas.
·
A
Editio Princeps é a da Complutensiana ou de Alcalá. Provém da Hexápla de
Orígenes. Impressa em 1514-18, não foi publicada até aparecer na Poliglota do
card. Ximenes, em 1520.
·
A
edição Aldine (iniciada por Aldo Manúcio) apareceu em Veneza em 1518. O texto é
mais puro que a edição Complutensiana e está mais próxima do Códice B. O editor
diz que colecionou manuscritos antigos mais não os especifica. Foi reimpressa
várias vezes.
·
A
mais importante edição é a Romana ou Sixtina, que reproduz quase que exclusivamente
o Codex Vaticanus. Foi publicada sob a direção do card. Caraffa, com o auxílio
de vários sábios, em 1586, sob a autoridade de Sixto V, com o objetivo de
socorrer os revisores que preparavam a nova edição da Vulgata latina ordenada
pelo Concílio de Trento. Tornou-se, assim, o textus receptus do Antigo Testamento grego e teve diversas novas
edições, tais como a de Holmes e Pearsons (Oxford, 1798-1827), as sete edições
de Tischendorf, que apareceram em Leipzig entre 1850 e 1887 (as duas últimas
publicadas após a morte do autor e revisadas por Nestle), as quatro edições de
Swete (Cambridge, 1887-95, 1901, 1909), etc.
·
A
edição de Grabe, publicada em Oxford de 1707 a 1720, reproduzindo, imperfeitamente, o
Codex Alexandrinus de Londres.
·
Para
edições parciais, v. Vigouroux, "Dicionário da Bíblia", pp. 1643ss.
Valor Crítico e Linguagem
A
versão da Septuaginta, embora ofereça exatamente em forma e substância o
verdadeiro sentido dos Livros Sagrados, difere consideravelmente do atual texto
hebraico (Massorético). Essas discrepâncias, porém, não são de grande
importância, mas apenas assunto de interpretação. Podem ser assim
classificadas: algumas são oriundas dos tradutores que tiveram à sua disposição
recensões hebraicas diferentes daquelas que são conhecidas como massoréticas;
às vezes os textos variam, outras vezes, os textos são idênticos, mas lidos em
ordem diferente.
Outras
discrepâncias devem-se à personalidade dos tradutores; para não se falar da
influência exercida em suas obras em razão de seus métodos de interpretação, as
dificuldades inerentes da tarefa, seus maiores ou menores conhecimentos de
grego e hebraico: eles acabaram traduzindo diferentemente dos massoretas
justamente porque liam os textos de forma diferente; é, pois natural que o
hebraico, escrito em caracteres quadrados, e certas consoantes bem similares na
forma fosse vez ou outra, confundido, ocasionando erros de tradução; mais: o
texto hebraico era escrito sem qualquer espaçamento entre as palavras e os
tradutores facilmente poderiam confundir a separação das palavras; finalmente,
como o texto hebraico não dispunha de vogais, eles poderiam suprir as palavras
com vogais diversas daquelas que foram usadas mais tarde pelos massoretas.
Novamente,
não devemos achar que possuímos atualmente o exato texto grego como foi escrito
pelos tradutores; as frequentes transcrições feitas durante os primeiros
séculos, assim como as correções e edições de Orígenes, Luciano e Hesíquio danificaram
a pureza do texto: voluntária ou involuntariamente, os copistas permitiram a
ocorrência de muitas corrupções textuais, transposições, adições e omissões no
texto primitivo da Septuaginta. Em particular, podemos notar a adição de
passagens paralelas, notas explanatórias ou traduções duvidosas causadas pelas
notas marginais.
Linguagem
Todos
admitem que a versão da Septuaginta foi redigida em grego popular, a koine dislektos. Mas o grego do Antigo
Testamento era um idioma especial? Muitas autoridades garantem que sim, embora
discordem quanto à sua real característica. O “Dicionário da Bíblia”, em seu
verbete “Grego bíblico”, assegura que era “o grego hebraizante falado pela
comunidade judaica de Alexandria”, o grego popular de Alexandria “com uma larga
mistura de hebraísmos”. O mesmo dicionário, no verbete “Septante”, menciona a
mais recente opinião de Deissmann de que o grego da Septuaginta é meramente o
grego vernacular ordinário, a pura koine daquela
época. Deissmann baseia sua teoria na semelhança perfeita da linguagem da
Septuaginta com a dos papiros e inscrições do mesmo período; ele acredita que
as peculiaridades sintáticas da Septuaginta, que a princípio parecem favorecer
a teoria de uma linguagem especial (um grego hebraicizado), são suficientemente
explicadas pelo fato da Septuaginta ser a tradução grega de livros hebraicos.
Divisão
·
Lei:
Gn – Dt
·
Históricos:
Js, Jz, RT, Sm, Rs, Cr, Ed, Ne,
Mac e outros.
·
Poéticos:
Sl,
Pv, Ec, Ct, Jó e outros.
·
Proféticos:
O Livro dos Doze Profetas
Menores, Is, Jr, Lm, Ez e outros.
·
Tradição
Cristã diferente da Tradição Judaica.
III - O SURGIMENTO DO CÂNON DO ANTIGO TESTAMENTO
·
Processo histórico.
·
A parte mais antiga – o Pentateuco – Forma atual –
Séc. V ou IV a.C.
·
A tradução grega – Séc. III a.C.
·
Os Escritos.
·
A extensão de todo o AT – Somente foi determinada em
fins do Século I d.C. – No Sínodo
de Jabne-Jâmnia.
1.1. O surgimento do cânon
O cristianismo incipiente não possui
cânon veterotestamentário diverso do cânon do judaísmo, do qual surgiu.
Somente em 400 d.C. foi reconhecido pela Igreja ocidental como “Escritura Sagrada”
o “cânon da Septuaginta”, mais volumoso que o Tanak. A Igreja oriental aderiu a
essa decisão no Séc. VII. Os Reformadores excluíram do cânon todos os livros e
fragmentos de livros que não existiam na forma textual hebraica.
Contra isso o Concílio de Trento
determinou, em 1546, que os livros Tobias, Judite, Sabedoria de Salomão,
Sirácida, Baruc, e os dois livros de Macabeus, todos existentes em língua
grega, devem vigorar como canônicos, ao passo que a oração de Manassés e os 3º
e 4º livros de Esdras não seriam (mais) aceitos como canônicos. Em 1672 a
Igreja oriental decidiu-se a favor de Tobias, Judite, Sirácida e Sabedoria de
Salomão.
Até os dias de hoje a delimitação do
cânon não é uniforme nas igrejas cristãs e também é considerada teologicamente
de maneiras diferentes.
Apesar das Igrejas da Reforma, em
termos de conteúdo, terem retornado
ao cânon da Bíblia judaica (a motivação de fundo dos Reformadores era a ideia
da veritas hebraica como “texto
original”), elas mantiveram a sistemática da Igreja antiga na estruturação do
Antigo Testamento. É verdade que na Igreja antiga, assim como na Igreja
Ortodoxa e na Romana, possuíam valor quase canônico respectivamente a versão
grega e a versão latina, acima de tudo para a liturgia. Hoje vale na prática a
versão original como texto canônico da Bíblia cristã.
O primeiro Testamento agrupa os livros
que são semelhantes conforme o tipo, dando a alguns deles uma nova posição.
Desse modo surge no seu complexo uma estrutura quadripartida e de cunho
histórico-teológico.
De acordo coma tradição judaica (Midrash Rabbah
12:12) o Canon Judaico é composto de 24 livros que se agrupam em 3 conjuntos: A
Lei ou Instrução, Os Profetas e Os Escritos. Os livros de 1 e 2 Samuel, são
reunidos em um só livro, e 1 Reis e 2 Reis, também são considerados um só
livro, assim como os 12 profetas "menores" estão em um só livro -
"Os 12 profetas". A ordem do Cânon é apresentada abaixo:
Instrução
(Os 5 de Moisés) (5)
|
|
Profetas
(8)
·
Anteriores (4)
·
Posteriores (4)
o
Os 12 Profetas
|
|
Escritos
(11)
·
Livros da Verdade (Poéticos)
·
Os 5 Rolos
·
Profético
·
O Resto dos Escritos
|
Na divisão do PT repercutem, pois, as
fases de sua formação. Os livros existentes foram agrupados numa fase
posterior, como se pode ver a seguir:
1.
O Pentateuco
– foi se constituindo no decorrer de séculos, assumiu a sua forma atual no Séc.
V ou, o mais tardar, no Séc. IV a.C. Os samaritanos, que se separaram
paulatinamente da comunidade de Jerusalém – em definitivo decerto somente na
era helenística – reconheciam e mantinham apenas a Torá, portanto os cinco
livros de Moisés, como autoridade. Também já se dispunha há muito do Pentateuco
quando da tradução grega que surgiu no Egito a partir do Séc. III a.C.
2.
Os Livros
Proféticos – Agregam-se por volta do Séc. III a.C. como grandeza
própria. Parecia que a era do profetismo tinha chegado ao seu final (cf. Zc
13.2ss) e que se iniciava o tempo da interpretação. Ao redor de 190 a.C. O livro de Dn surgiu
somente por volta de 165 a.C.,
portanto, foi agregado depois.
3.
O grupo dos Escritos
– É delimitado definitivamente apenas na época neotestamentária, quando o
PT como um todo e com a atual extensão dos textos é canonizado, isto é, reconhecido
como inspirado e com isto válido para a fé e a vida da comunidade. A inserção
de Crônicas ou do livro de Daniel só nesta terceira parte do cânone deve-se
provavelmente ao surgimento relativamente tardio destas obras, visto que não
encontraram espaço nas coleções mais antigas, já concluídas.
A extensão de todo o PT provavelmente
só se determinou em definitivo em fins do Séc. I d.C. Talvez no assim chamado
Sínodo de Jabne-Jâmnia, quando a comunidade judaica tornou a se consolidar após
a destruição de Jerusalém e do templo (70 d.C.).
3.2. Épocas da história de Israel
O Primeiro Testamento se formou dentro
da história e se refere na maioria de seus enunciados, à história. Todavia, sua
exposição constitui um testemunho de fé
que não conserva a tradição em sua configuração original, “historicamente
pura”, mas a relaciona com o respectivo momento histórico, modificando-a com
isso ao mesmo tempo.
Compete ao historiador desentranhar a
história de Israel de forma crítica do PT. Esta construção se baseia num
processo metodológico triplo:
1.
Uma análise das fontes, inclusive da tradição oral
nelas contida;
2.
Identificação e avaliação de material comparativo extra-bíblico
do Antigo Oriente;
3.
Inferências sobre acontecimentos históricos, com
especial cautela.
Tradições fixadas por escrito aparecem,
em Israel, de forma mais ampla somente a partir da época da monarquia;
lembranças de épocas anteriores eram transmitidas oralmente, muitas vezes em
forma de sagas. A
localização das fontes, mas também a diversidade da metodologia aplicada faz
com que, sobretudo no âmbito da pré-história e da história dos primórdios de
Israel, muitas vezes se alcancem apenas resultados controvertidos. Israel só se
configura como grandeza coesa, sujeita a inferências históricas, depois da
imigração em Canaã; sua auto-compreensão, porém, se baseia em tradições dos
tempos anteriores ao assentamento.
Pode-se dividir a história de Israel a
grosso modo em cinco ou seis períodos,
sendo possível, por exemplo, fundir a 4a e a 5a fase em
una única:
I.
Pré-história nômade
.............................................................. Séculos
XV(?)-XII
II.
Época pré-estatal ...................................................................
Séculos XII-XI
III.
Época da monarquia
.............................................................. ca. De 1000-587
IV.
Exílio
....................................................................................587-539
V.
Época pós-exílica
.................................................................. a partir de
539
VI.
Era do helenismo ..................................................................
a partir de 333
3.3. Elementos da história da sociedade
Para se compreender tradições
veterotestamentárias às vezes é importante ter certas noções básicas de seu
pano de fundo social. Pergunta-se: como será que era a vida dos patriarcas, ou
de que situações partiam os profetas em suas críticas sociais? Todavia, as
afirmações bíblicas pressupõem mais a respectiva situação social do que a
apresentam, pois não têm interesse imediato nela. O interesse é, antes de tudo,
da história de Deus com Israel. Uma situação que é conhecida por todos não
precisa ser mencionada ou anotada explicitamente.
A seguir vem a estrutura social que
deve ser deduzida, em geral penosamente, de informações indiretas as mais
variadas e aqui e acolá, de possíveis comparações. O apanhado geral que se
segue, ordenado conforme as épocas da história de Israel só pretendem esboçar
alguns aspectos.
·
Os clãs
nômades – Os antepassados de Israel viviam em tendas ou num
acampamento comum e migravam de um lugar para o outro (Gn 13.3; 18.1ss;
31.25,33ss; cf. 32.2 e outras). Assim, “armar” a tenda significa permanecer num
lugar (12.8; 26.15; 33.19); ao contrário de “arrancar” as estacas da tenda que
significa “partir”, “prosseguir viagem” (12.9; 33.12).
·
A posse da
terra – A terra passou a ter uma importância para aqueles que
foram nômades. Com a sedentarização, os nômades se transformaram em
agricultores e aldeães. Mesmo que todo um clã se assente num único lugar, ou
vários clãs em conjunto fundem um lugarejo, gradativamente a vizinhança começa
a predominar sobre os laços de parentesco. A propriedade rural passa a constituir
a base existencial do clã ou da família e assegura ao mesmo tempo a posição
social do homem livre (cf. Mq 2.2). A herança cabia preferencialmente ao
primogênito (Dt 21.17). Mas, o pai podia atribuir esse direito em tempos antigos
também a outro filho (Gn 48; cf. 49.3ss; 25.1ss).
·
Transformações
ocorridas com a instalação da monarquia – A monarquia trouxe consigo uma
transformação lenta e gradual, mas profunda, no desenvolvimento social e econômico,
tanto pelas influências diretas quanto por suas consequências indiretas, qual
seja, a incorporação das cidades cananéias em Israel e a crescente influência
estrangeira. A monarquia criou uma administração que ultrapassava a estrutura
tribal e abarcava o povo todo. Houve a necessidade de se contratar funcionários,
formar exército e aumentar o patrimônio da coroa real. Durante a monarquia não
se configurou uma situação uniforme. Certas diferenças existiam, contrastes
entre a cidade e o campo, por exemplo.
·
Contrastes
sociais no tempo dos grandes profetas- Surgiram com o passar do tempo,
certos contrastes sociais e oposições entre ricos e pobres. Em face a isto,
foram estabelecidas certas garantias sociais e normas jurídicas que tentavam
manter a igualdade sócio-econômica dos membros do povo de Deus.
Entretanto, as medidas estabelecidas não bastavam para enfrentar as novas
contingências criadas pela monarquia e a progressiva urbanização. A monarquia
fez com que o poder se concentrasse em locais centrais, principalmente nas
capitais (Jerusalém e Samaria). Desde o reinado davídico-salomônico a população
urbana originalmente não-israelita havia sido incorporada ao Estado, de modo
que pelo menos a partir de então tradições nômades e autóctones se mesclaram
também na estrutura social.
·
A situação
pós-exílica – Com a conquista de Jerusalém e o início do exílio, a
organização política e estatal de Israel acabou. O que se manteve ou ressurgiu
tinha uma estrutura mais familial: por um lado, a “casa paterna”, uma espécie de
grande família (Ed 1.5; 2.59s, 68; 4.2s; 10.16 e outras), por outro lado, a
instituição dos “anciãos”, que recuperou sua importância há muito perdida (Jr
29.1; Ez 8.1; 14.1; 20.1ss; Ed 5.9; 6.7; 10.8,14 e outras). A administração de
Israel estava nas mãos de funcionários persas (Ne 2.7s., 16; 5.7,14s; Dn
3.2s.). Israel formava uma comunidade que se agregava ao redor do segundo
templo, vivia segundo a lei e gozava de autonomia cúltico-religiosa. Era
liderado pelo sumo sacerdote, que até havia adotado emblemas reais. Jerusalém
era o centro cúltico também para as comunidades filiais da diáspora, espelhadas
por todo o mundo. Israel passou a cindir-se em diversos grupos na época do Novo
Testamento: fariseus, saduceus, essênios e outros.
Épocas
principais da história de Israel
I.
Pré-história
nômade
II.
Época
pré-estatal
Ameaça dos
Filisteus
III. Época da
Monarquia
Época do Reino
Unido
IV. Época dos
Reinos
Separados:
·
Reino do
Norte (Israel)
e Reino do Sul
(Judá)
-
Assédio dos arameus (esp. 850-800)
·
Hegemonia assíria (Ca. de 750-630)
V. Época de Judá
·
Hegemonia babilônica (a partir de 605)
VI. Exílio
VII. Época pós-exílica
-
Hegemonia persa (539-333)
Era helenística
|
·
Sécs XV
(?) – XIII
·
Sécs. XII-XI
·
Ca. de 1000
·
926
·
ca. de 733
·
732
·
722
·
701
·
ca. de 622
·
597
·
587
·
539
·
520-515
·
333
·
164
·
64
|
·
Promessas aos patriarcas
·
Libertação do Egito
·
Revelação no Sinai
·
Tomada da Terra
·
Época da consolidação
e expansão
·
Época dos Juízes
·
Guerras de Javé
·
Confederação tribal:
ANFICTIONIA
·
Saul
·
Davi (capital Jerusalém)
·
Salomão (construção do templo)
·
Assim chamada divisão do
Reino (primeira data certa da história
de Israel; 1 Rs 12)
·
Guerra Siro-Efraimita contra Judá (2 Rs 16.5;
Is 7)
·
Perdas territoriais de Israel (2 Rs 15.29) e
Conquista da Samaria pelos assírios (2 Rs 17).
·
Cerco de Jerusalém pelos assírios (2 Rs 18-20
= Is 36-39; 1.4-8)
·
Reforma de Josias (2 Rs 22 ss; Deuteronômio
·
Primeira destruição e, dez anos mais tarde,
·
Destruição definitiva de Jerusalém pelos
babilônios (2 Rs 24s; Jr 27 ss.
·
Queda da Babilônia nas mãos dos persas (Is
46s. e outras)
·
Reconstrução do templo (Ed 5s.)
·
Alexandre Magno (vitória em Isso sobre os
persas)
·
Nova consagração do templo durante o levante
dos macabeus
·
Conquista da Palestina pelos romanos
|
|
·
Javista (?)
·
Elias, Eliseu, Eloísta?
·
Amós (Ca. de 760)
·
Oséias (Ca. de 750-725)
·
Isaías (Ca. 740-700)
·
Jeremias (Ca. de 626-586)
·
Ezequiel
·
Lamentações
·
Obra
Historiográfica Deuteronomística (Dt – 2 Rs) (Ca. de 560)
·
Escrito Sacerdotal
·
Dêutero-Isaías
·
Ageu, Zacarias
·
Obra Historiográfica Cronista
·
Livro de Daniel
|
IV – OS LIVROS DA TORÁ – PENTATEUCO
A Torá ou Pentateuco é o bloco mais
volumoso da bíblia, quase tão volumoso quanto o Novo Testamento.
Constitui o documento-base tanto do Tanak
quanto do Primeiro Testamento. Também a posição do evangelho de Mateus como
primeiro no Novo Testamento deve ter relação com sua estrutura de Torá (cf. o
Sermão da Montanha, Mt 5-7). Na verdade, o Pentateuco é, por um lado, uma
constelação extraordinariamente complexa e por vezes perturbadora, o que tem
relação com seu processo de surgimento em múltiplas camadas. Por outro lado, no
entanto, não é mero resultado de um processo de coleta acidental, mas permite
constatar, em sua forma final, uma composição planejada, cujo objetivo é ser
lida como um programa teológico.
O judaísmo emprega as designações “a
Torá” (cf. Js 1.7; etc.), “a Torá de Moisés” (cf. Ml 3.22; Ed 7.6; etc.) ou
“livro da Torá de Moisés” (cf. Js 8.31; Ne 8.1; etc.), enfatiza a totalidade
quanto ao seu conteúdo, o termo “Pentateuco”, oriundo do grego (h pentateuxos Biblos; “ o livro
em cinco partes”) traz mais fortemente à mente a sua estruturação formal.
4.1. O perfil próprio dos cinco livros
O Pentateuco era comprido demais para
caber num único rolo de livros da Antiguidade. A subdivisão em cinco rolos,
porém, não se processou segundo aspectos de técnica livresca, e sim de conteúdo.
Os livros se intitulam pelas palavras
iniciais hebraicas, conforme segue:
Bere’sit
“no
início”
|
Semot
“nomes”
|
Wayyqra’
“Ele
chamou”
|
Bemidbar
“No
deserto”
|
Debarim
“Palavras”
|
Genesis
Gênesis
“Origem”
|
Exodos
Exodus
“Saída”
|
Leuiticon
Leviticus
“O livro
da
Lei
levítica/
sacerdotal”
|
‘Arijmoi
Numeri
“Números/
Recenseamentos”
|
Deuteronomion
Deuteronomium
“A
segunda lei/
A segunda
edição da
lei”
|
Cada um desses cinco livros, cujo início
e final sempre são literariamente caracterizados com clareza, possui seu perfil
próprio em termos de acontecimentos e teologia.
1.
Gênesis. A palavra Gênesis quer dizer origem. O livro trata então das
origens: do universo, do homem, da mulher, do bem, do mal, do Povo de Deus. Não
é um escrito científico, histórico, como alguns pensam, mas é um escrito
religioso, teológico. Quem quiser procurar ciência nas narrativas de Gênesis
vai ficar decepcionado pelas contradições. Quem conhecer a ótica teológica pela
qual o livro foi escrito e pela qual deve ser lido, não terá nenhuma
dificuldade em entender sua extraordinária mensagem. O livro divide-se em dois
blocos: do capítulo 1 ao 11 e do 12 ao
50. No primeiro bloco o autor fala da história das origens (universo, homem,
mulher, pecado, sociedade...); no segundo bloco narra a história dos
Patriarcas, a história do Povo de Deus.
2. O
Êxodo. A palavra Êxodo quer dizer saída. O livro narra a saída do Povo hebreu do Egito para a terra
Prometida (Palestina). A narração da história vai do capítulo 1 ao 20. Os
capítulos seguintes foram acrescentados depois que o povo já estava assentado
na Terra Prometida (é uma parte mais legislativa, litúrgica e social).
3. O
Levítico. Essa palavra significa “referente a Levi; de Levi”. O livro trata da liturgia, do Templo,
dos sacrifícios, dos ritos e da vida religiosa do povo. É um livro
essencialmente ritualista e litúrgico, embora mostre que as leis litúrgicas
existem para que o Povo não se esqueça de cultuar Javé, o Deus único,
verdadeiro e libertador, que o tirou da escravidão do Egito. É a tônica do
livro. O culto deve ter sempre um
caráter de libertação. O nome “Levítico”
provém de Levi, um dos filhos de Jacó, (Gn
29.34 e 35.23). Na distribuição das terras para as tribos, quando o Povo saindo
do Egito chegou à Terra Prometida, a tribo de Levi não recebeu parte
alguma. O motivo foi que essa tribo fora
escolhida para exercer as funções sacerdotais (Nm 3.11-12; Dt 18; 33.8-11).
Essa tribo, não recebendo terras, recebia os dízimos para se manter. Não podiam
os levitas preocupar-se com heranças e terras porque eles eram sacerdotes do
Senhor, como diz o Deuteronômio: “Você não
receberá nenhuma herança, nem parte na terra. Para você, eu sou a sua parte e
sua herança no meio dos filhos de Israel” (Dt 18.20). Por isso o Levítico é
um livro que trata de tudo o que se refere ao sacerdócio e ao culto.
4. O
livro de Números. O nome do
livro provém do tema tratado por ele nos primeiros capítulos: recenseamentos,
números de pessoas para guerras, clãs etc. O livro faz uma revisão da caminhada
pelo deserto e retoma a história deixada pelo livro do Êxodo. O livro do Êxodo,
como se disse, narra a história da “saída” até o capítulo 20, quando Deus
entrega a Lei (10 Mandamentos) a Moisés no Monte Sinai. Para aí. O livro de
Números retoma a narrativa a partir daqui, do Monte Sinai, e narra toda a
história do Povo até a chegada às portas da Terra Prometida. Todavia o livro
não narra apenas o resto da história da caminhada. Trata também de temas
religiosos e teológicos como a festa da Páscoa (cap. 9), crises na caminhada
(11-14), eleição do sacerdócio de Aarão (17), combate à idolatria. Salienta
muito a Comunidade como povo que caminha inserida na história, e o deserto como
lugar da crise e da opção.
5. O
Deuteronômio. É o último livro do Pentateuco. Literalmente Deuteronômio
significa segunda lei. Mas não é uma
segunda Lei, pois Deus não deu uma segunda lei, mas somente uma a do Monte
Sinai, os 10 Mandamentos. O Deuteronômio é mais uma atualização da Lei de Deus
para o Povo já assentado. É uma interpretação da Lei, uma readaptação da Lei. O
nome foi dado erroneamente ao livro por causa da tradução errônea do texto do
próprio livro, capítulo 17.18, onde é dito “mandará escrever num livro uma cópia
dessa lei...”. A palavra “cópia” foi
traduzida por “segunda”, com a intenção de dizer que era uma atualização. Mas o
nome ficou. O livro é atribuído a Moisés como os outros, mas não foi ele quem
escreveu, pois o livro é bem posterior, e inclusive narra a morte do próprio
Moisés (34). Importante no livro é a
repetição dos 10 Mandamentos (5); o belo capítulo 6 (“Ouve, Israel”- shemá Israel)
onde é ensinado que a vida é o grande dom de Deus e deve ser um constante ato
de amor a ele e ao próximo. Fundamental
no livro é o conjunto dos cap. 12 ao 26. É chamado “Código deuteronômico”; trata da vida da Comunidade, do
relacionamento com o próximo, com Deus, com a Comunidade. O cap. 26 traz o
importante “Credo histórico” do Povo
de Israel, isto é, sua profissão de fé.
Conteúdo
específico geral de cada livro
|
LIVRO
|
CAPÍTULO
|
TEMAS
|
GÊNESIS
|
1 a11
|
História
das origens
|
12 a 25.18
|
História
de Abraão
|
25.19 a
50
|
História
de Jacó e José
|
ÊXODO
|
1 a 6
|
História
de uma libertação. Javé na História e na vida do povo
|
7 a 11
|
Pragas
|
12 a 18
|
A
libertação (o sinal: a Páscoa)
|
19 a 20.21
|
Os dez
mandamentos (Decálogo)
|
20.22 a
23.33
|
Trazem o
chamado Código da Aliança. São acréscimos, ou enxertos posteriores.
|
24.11
|
Conclusão
da Aliança.
|
24.12 a
25.40
|
Não trata
mais do êxodo; são acréscimos também posteriores, quando o povo já estava
assentado na Terra prometida.
|
26 a 31
|
Acréscimos
posteriores
|
32 a 34
|
Textos
originais – bezerro de ouro...
|
35 a 40
|
Acréscimos
posteriores
|
LEVÍTICO
|
1 a 3
|
Normas
sobre os holocaustos, oblações e sacrifícios pacíficos.
|
4 a 10
|
Ritos de
consagração
|
11 a 15
|
Normas
sobre pureza e impureza legais (= Marcos 7.1-23)
|
16
|
Dia de
penitência – Yom Kippur
|
17 a 26
|
·
Leis da santidade
·
24.17-22 - A lei do talião (= Mateus 5.38-42)
·
25 - O jubileu
|
27
|
Apêndice
|
NÚMEROS
NÚMEROS
|
1,1 a 10.10
|
Conflitos
na organização do povo
|
10.11 a
21
|
Continuação
da história narrada pelo Êxodo até o capítulo 21.
|
21 a 26
|
O Povo
diante da terra prometida
|
27 a 36
|
Acréscimos
posteriores
|
DEUTERONÔMIO
|
1 a 11
|
Capítulos
introdutórios (discursos). (O capítulo
6: shemá = o centro do
relacionamento com Deus é o amor. É preciso ouvi-lo).
|
12 a 26
|
Centro do
livro. É o código deuteronômico
|
27 a 30
|
Bênçãos e
maldições
|
31 a 34
|
Apêndice
- Capítulos conclusivos.
|
A riqueza inconteste do Pentateuco, sob
o ponto de vista histórico e religioso, vem encantando os espíritos através dos
tempos. A história da salvação, mediante o plano redentor de Deus, é o ponto
alto destes cinco primeiros livros da Bíblia.
O pacto do Criador com o homem por Ele
amado e guiado, aponta o destino sublime do ser racional, abençoado e agraciado
por Javé. Como ressaltam os biblistas, a aliança estava baseada na iniciativa
de Deus, que agia com misericórdia e em plena soberania.
Foi o Ser Supremo quem prometeu que não
puniria mais a humanidade com outro dilúvio (Gn 9.11); foi ele quem elegeu
Abraão e seus descendentes e fez deles o instrumento da sua misericórdia para
um mundo decaído; foi ele quem cimentou esta eleição, prometendo-se a si mesmo
ao povo israelita: “Tomar-vos-ei por meu povo, e serei o vosso Deus” (Ex 6.7) A
lei mosaica e Iahweh, para o qual se
convergem todos os preceitos, chamavam o povo eleito para a santidade.
O culto divino mostra a grandeza de
Deus a quem se devem oferecer sacrifícios, louvores de criaturas a seu Senhor
Onipotente.
As proibições da idolatria, de outras
práticas supersticiosas e dos sacrifícios humanos, revelam a superioridade do
culto dos hebreus.
Admirável a ética do Pentateuco condenando
a prostituição (Dt 23.17); a sodomia e a bestialidade (Lv 28.22-23); o
homicídio (Ex 20.13; Dt 5.17). A justiça fulge nestes livros que velam pelo
direito de propriedade (Ex 20.15; Lv 19.11; Dt 5.19) e impõem a restituição (Lv
6.5). Pune a mentira, a fraude, o falso testemunho (Ex 20.16; Lv 19.11-12); o
adultério (Ex 20.14). O amor ao próximo palpita em inúmeras passagens,
sentimento humanitário, sobretudo para com os pobres.
A nobreza da vida familiar é digna de nota:
fidelidade conjugal (Dt 22.22); respeito dos filhos para com os pais (Ex 20.12;
Lv 19.3; Dt 5.16). Sem poder liquidar com a indesejável escravidão, Moisés a
suavizou ao máximo, sendo a condição dos escravos entre os hebreus muito
superior ao que acontecia, ingloriamente, entre os gregos e romanos que os
consideravam como coisas e não seres criados à imagem e semelhança de Deus.
Estas considerações sobre a lei mosaica
patenteiam a sublimidade do Pentateuco, que propõe a Israel o seu ideal
supremo.
Característica desta parte inicial da
Bíblia é o entrelaçamento entre a narrativa e a lei divina, promulgada pelo
Criador.
O estudo de cada um dos cinco livros
impregna de religiosidade o espírito, alimenta a fé em Deus, firma a esperança,
fomenta o amor ao Criador e ao semelhante, revela as piores de todas as
posturas humanas que são a infidelidade e a ingratidão.
É impossível, de fato, ler o Pentateuco
e não sentir horror à insinceridade perante Deus.
Este propõe ao homem uma aliança,
mediante a qual, guia o ser racional às paragens beatificantes da terra
prometida, após o ter disposto, na trajetória pelo deserto da vida, às
ascensões da beatitude que brotam lá dentro do coração humano como propostas a
serem viabilizadas.
a) O Pentateuco pode ser
lido primeiramente como biografia de
Moisés: De Ex a Dt, Moisés é o ator principal (Ex 2: nascimento; Dt 34:
falecimento). O cap. 34.10-12 constitui praticamente seu epitáfio (inscrição tumular).
Gn representa, então, a história de seus antepassados em sentido amplo (cf. Ex
6.14-25). É a partir desse enfoque que o Pentateuco também é designado “(livro
da) Torá de Moises”.
b) No nível narrativo, o Pentateuco
também pode ser lido como o caminho
dramático de Israel para a terra da promessa, que começa com o chamado de
Abraão dentre as nações e termina com um “final aberto” nessa terra. O
Pentateuco retrata esse caminho cheio de sofrimento e conflito como biografia
dramática de Israel:
Gênesis
|
Êxodo
|
Levítico
|
Números
|
Deuteronômio
|
Criação e
promessa da terra
|
Do Egito
pelo deserto ao Sinai
|
NO SINAI
|
Do Sinai
pelo deserto a Moabe (à divisa da terra prometida)
|
Instruções
para a vida na terra da promessa
|
c) Os cinco livros estão agrupados, em
forma de quiasmo
espelhado, em torno do livro do Levítico como centro teológico. O Gênesis e o Deuteronômio formam a moldura externa. Êxodo e Números perfazem
a moldura interna. Eles se estruturam paralelamente por meio de numerosas
histórias iguais. O Sinai constitui quase que um tipo de divisor de águas
(antes do Sinai era “legítimo” clamar por pão e água, depois do Sinai isso leva
ao pecado). No centro da composição
situa-se a constituição de Israel como povo santo, em cujo meio o santo Javé
quer tornar-se presente e agir. É por isso que se encontra no meio do livro do Levítico – por sua vez também construído
concretamente – a mensagem de Javé como o Deus disposto à reconciliação.
4.3. O Pentateuco como história e lei
O Pentateuco possui uma estrutura
dialética de história e lei. A “lei” brota sempre a partir da “história” e ao
mesmo tempo visa proteger e manter aberta a dinâmica da “história”. De forma
paradigmática podemos depreender essa imbricação dinamizadora de “história” e
“lei” (do agir e da vontade de Deus) da estrutura dos Dez Mandamentos bíblicos
(Ex 20.2-17||Dt 5.6-21).
4.4. O contexto histórico da redação constitutiva
É consenso amplamente predominante na
pesquisa que a composição final do Pentateuco, não pode ser mero produto do
acaso, mas remonta a um trabalho literário planejado. Obviamente se pode
descrever apenas de forma aproximada quando, como e por meio de quem essa
composição final foi realizada.
No atual estado da pesquisa, talvez
seja mais convincente a ideia de que a etapa
decisiva está ligada à figura de Esdras, “comissário imperial” persa e
“sacerdote” judeu, que por volta de 400 a.C. promulgou em Jerusalém um código
de leis, aprovado pelos persas, e que constitui o documento básico da
identidade judaica (“autorização imperial”).
A conclusão de que o Pentateuco foi
formado somente em tempos pós-exíllicos é tirada da história do surgimento das
partes constitutivas nele integradas (a obra pré-sacerdotal, a obra literária
sacerdotal, o Deuteronômio), cujo desenvolvimento transcorreu até essa época.
Há, sobretudo, cinco razões que nos
levam a afirmar que o Pentateuco recebeu aspectos essenciais, sua forma atual
por volta de 400 a.C.:
1.
No Pentateuco não se podem verificar influências do
helenismo ou vestígios da discussão com ele.
2.
A separação cultual-religiosa dos samaritanos do
vínculo com Jerusalém geralmente é datada (embora não sem controvérsias) no
tempo um pouco anterior à presença (“fundadora” do helenismo) de Alexandre
Magno nessa região (após 330 a.C.). “Considerando, porém, que nessa separação
os samaritanos assumem o Pentateuco como Sagrada Escritura de sua comunidade
cultual, a formação do Pentateuco como grandeza própria com posição
determinante e norteadora deve ter acontecido no tempo dos persas, quando
Samaria, por decisão persa, ainda estava ligada cultualmente a Jerusalém e não
recebeu permissão por parte dos persas para ter seu santuário próprio”.
3.
A tradução da Torá para o grego, concluída o mais
tardar em meados do Sec. III pressupõe que nesse ínterim a Torá obteve
aceitação em todas as regiões, também na diáspora egípcia.
4.
Os livros de Esdras e Neemias têm como premissa
normativa “a Torá de Moisés” (Ed 3.2; Ne 10.30; 13.1; Ne 10 comenta textos de
Ex-Dt, pressupondo, portanto, o Pentateuco).
5.
Aceitando-se a hipótese de que a redação final do Dt,
que deve ser datada por volta de 400 a.C., aconteceu em conexão com a inserção
do Dt no Pentateuco, é provável que a conclusão do Pentateuco tenha acontecido
no início do séc. IV a.C.
Afirmações sobre a atuação de Esdras e a
formação do Pentateuco/da Torá:
1.
A lei que Esdras promulga é lei judaica (“a lei do teu
Deus”), autorizada pelo rei como lei imperial persa (“lei do rei”).
2.
A promulgação e o cumprimento dessa lei pelo “povo
todo” de judeus na província transeufratense acontecem por interesse do império
persa.
3.
A promulgação acontece no centro de culto da religião
de Javé. “Lei” e “templo” são inseridos numa relação de condicionamentos
recíprocos; o livro da Lei é um “livro sagrado”.
4.
De agora em diante, a identidade judaica é constituída
pela relação com esse “livro sagrado”.
5.
Não se trata de uma lei até então desconhecida ou de
uma lei que ainda teria de ser criada por Esdras, mas de uma obra já existente
(“que está na tua mão”). Por isso também se deve admitir que a ação de Esdras
não foi realizada como de alguém imposto de fora, praticamente como ato de
poder da Golah
diante da terra-mãe, mas sim em consonância com os círculos influentes da
administração própria dos judeus (colégio de sacerdotes e conselho de anciãos).
6.
O cumprimento da lei é definido como expressão de
lealdade judaica diante do domínio persa. A desobediência é punida segundo o
direito imperial persa.
7.
Não apenas constitui a base para decisões judiciais,
mas também para o ensino.
A tese mais plausível que é proposta:
os diferentes agrupamentos judaicos reuniram no Pentateuco suas concepções divergentes
e buscaram o reconhecimento desse acordo por parte do governo central persa,
para assegurarem desse modo seu way of
life judaico. A ação de Esdras constituiu a conclusão dos esforços judaicos
de obter dos persas uma autonomia relativa. No entanto, é bem plausível que o chamado
edito de Artaxerxes tenha passado a ser uma “carta de proteção” para o Pentateuco.
V – A OBRA HISTORIOGRÁFICA DEUTERONOMISTA
VI – A OBRA HISTORIOGRÁFICA CRONISTA
VII – O PROFETISMO - A FORMA DA PALAVRA PROFÉTICA
- Amós e
Oséias
- Isaías
e Miquéias
- Naum,
Habacuque, Sofonias e Obadias
- Jeremias
e Ezequiel
- Dêutero-Isaías
e Trito-Isaías
- Ageu,
Zacarias, Dêutero-Zacarias e Malaquias
- Joel e
Jonas
- Daniel
VIII – POESIA DO ÂMBITO DO CULTO E DA SABEDORIA
- O
Saltério
- Cantares
[Cântico dos Cânticos], Lamentações, Rute e Ester
- A
Sabedoria de Provérbios
- Eclesiastes
[Cohélet], o Pregador
- O
Livro de Jó
CONCLUSÃO
O Antigo Testamento, ou como melhor se
pode chamá-lo de Primeiro Testamento, por ser mais condizente com o seu conteúdo
e com aquilo que faz referência o Novo Testamento ou Segundo Testamento,
constitui-se uma grandeza histórico-teológica. Sem o Primeiro Testamento não
haveria o Segundo Testamento; não haveria a base da fé no Deus criador e
salvador.
Há um nexo entre todos os livros, mesmo
considerando a historicidade de cada um, incluindo várias épocas da história de
Israel, em suas diversas fases. E muito mais, as incontestes narrativas de
experiências vividas intensamente em relação à fé em Deus.
O Primeiro Testamento não é velho, não
se desgastou, pois continua revelando coisas novas, mesmo diante do conteúdo
neotestamentário. O seu conteúdo tem influenciado a história ocidental e um
pouco da oriental, uma vez que tal conteúdo visa à humanidade inteira. Deus se
revelou em amor a todas as pessoas, e quer o bem de todos. Não há conteúdo que
melhor exponha no passado, sobre Deus e cobre a criação, do que o do Primeiro
Testamento. Através dele se pode conhecer Deus em linguagem humana.
Quem tiver um contato com o Primeiro
Testamento ainda que não pertença à Igreja ou à comunidade judaica, por
exemplo, poderá perceber a grandeza que é em si mesmo o Primeiro Testamento,
porque fala ao coração.